Armageddon Time

O passado que explica o agora

Por Fabricio Duque

Durante o Festival de Cannes 2022

Armageddon Time

É preciso compreender que o cinema é feito por pessoas sobre pessoas para outras pessoas. E cada uma delas traz a característica mais essencial do ser humano, que é a individualidade, esta que gera a incrível competência de opinar sobre tudo. Nós julgamos o tempo todo e essas percepções advêm de nossas subjetividades, fazendo com que não haja unanimidade entre os assuntos. Há quem diga que é esse o grande objetivo da vida. Podemos ainda complementar com outra consequência desses seres, que é o desejo em se adequar ao meio social em que se vive. Esse habitat “protetor” contrói achismos compartilhados, algo como o vivenciado na fábula literária “Ensaio Sobre o Cegueira”, de José Saramago. Assim, podemos concluir que a arte cinematográfica chega ao patamar da mitificação hype, porque cria (e condiciona) o único imaginário possível, pela massificação de obras mais populares e, contraditoriamente, pelo enaltecimento de artistas, subestimados à categoria de deuses da perfeição, como é o caso do realizador norteamericano James Gray, escolhido pelo “meio cult”, dos hipster de plantão, para representar a vanguarda da cinefilia, que traz o filme “Armageddon Time” ao Festival de Cannes 2022 na mostra competitiva oficial à Palma de Ouro e causa um reboliço entre seus críticos. Não há meio termo sobre o diretor novaiorquino de “Ad Astra” e “Amantes”. É amar versus odiar. 

O longa-metragem também pode ser categorizado como uma obra de um norteamericano para outro, cujo público busca o que quer e encontra exatamente o que espera enquanto assiste aos filmes. Aqui, ainda que algumas cenas saiam da zona de conforto da audiência, o resultado está dentro do aceitável, porque essas “saídas do padrão” funcionam como um sinal de experiência cultural. Em “Armageddon Time”, James Gray contrói a mise-en-scène de um pseudo teatro filmado (lembrando em muito a estrutura novelesca de uma série que almeja o humor fácil e pastelão), em que o propósito está em fabular com a realidade o próprio ambiente real. Neste universo, tudo é potencializado à caricatura quando conta a história de uma família por tipificações idiossincráticas em comportamentos condicionados ao clichê (pululando piadas prontas – e já datadas – que remetem àquele “tio do pavê” das festas natalinas), como a maquiagem bem exagerada e explicitamente anti-naturalista, por exemplo. Será uma crítica perspectiva “lente de aumento” à sociedade norteamericana que vive um caos de diferenças familiares? Se esse é o objetivo, então não fica claro na primeira parte do filme, que segue com sua narrativa “caseira” de conversas atravessadas, que inclusive permitem a improvisação. Alguns diálogos soam como àqueles de aulas de inglês do curso básico. 

Mas quando o filme “acorda” e pensa que precisa recalcular a rota, já perdeu o espectador. Nem todos. Aos poucos, “Armageddon Time” muda o tom do humor circense desengonçado, ao inserir uma aura mais sensorial, mais subjetiva, até mesmo mais sutil. Entre cupcakes, museu Solomon R. Guggenheim em New York, Central Park, o longa-metragem parece começar outro filme sobre amizade. Será que o antes era um sonho? “Armageddon Time” aprofunda questões sociais e políticas, expõe hipocrisias e racismos, de professores, negros e a maconha envolvida, reconstruindo a narrativa de confronto aos valores conservadores e alimentados pela mentalidade trumpista. “A vida é injusta”, diz-se para embasar o preconceito mascarado de necessidade-sobrevivência em culpar inocentes. Sim, “Armageddon Time” é uma crônica política que mostra a causa primária (“início de carreira”) das consequências que vivemos no mundo durante o mandato de Donald Trump. Dessa radical briga entre pobres e a elite, em que discursos conseguem manipular as ideias dos que não querem ter o trabalho de pensar (e que reverberam as opiniões de seus pais e das ideologias patrióticas de seu país), “nasce” a força republicana (cujo símbolo é um elefante”), que “defende que os salários devem ser estabelecidos pelo mercado e que os impostos devem ser minimizados ou extintos e iguais, independente da arrecadação; aumento de gastos nas questões militares; oposição ao casamento gay; contra o aborto; acredita que a regulamentação de mercado impede o capitalismo de mercado livre e o crescimento do emprego; acredita que as empresas privadas podem fornecer serviços de saúde com mais eficiência do que programas administrados pelo governo” e que teve Abraham Lincoln, Teddy Roosevelt, Ronald Reagan, George Bush, Richard Nixon como presidentes anteriores. Contudo, quando essa mensagem chega clara ao espectador, o filme já se perdeu em todos seus vazios artifícios que tentam criticar toda a simbólica metáfora política objetivada (ainda que crie um que de naturalismo na amizade entre dois pré-adolescentes, uma branca e outro negro. É, como disse, bem subestimada com aura de ingenuidade pretensiosa. “O final de uma era, o começo de tudo”, slogan que vende o filme. 

2 Nota do Crítico 5 1

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